quinta-feira, 8 de abril de 2010

3. A velha Paris [Paris de Atget]

O ano de 1898 marcou um ponto de mudança na vida de Atget: começou a fotografar o que mais tarde seria conhecido como a “Velha Paris”, a parte da cidade que data de antes de 1789. No seguimento de uma resolução da Câmara Municipal de Paris, a Commission de Vieux Paris reuniu-se em 1898 para coordenar a conservação dos monumentos históricos da cidade através de esforços para pesquisar e documentar as zonas históricas da cidade. A Commission incluía um grande número de dignatários locais que haviam anteriormente prestado serviço nos comitês de “Antiquaires” (sociedades históricas dedicadas ao cuidado e preservação da Velha Paris). Durante os últimos quinze anos do século XIX, vários grupos de interesse foram unidos por uma preocupação ativa pelo passado da cidade. A noção de que se estava num ponto de mudança, e toda a nostalgia pelo passado que tal mudança implica, foi provavelmente mais forte em Paris do que em qualquer outra cidade européia.
As mudanças radicais na forma da cidade, instigadas entre 1853 e 1870 pelo Barão George Eugène Haussmann (1809-1891), responsável pelas violentas mudanças urbanísticas, haviam criado uma consciência intensa quanto à brevidade dos edifícios históricos. Paris era agora uma cidade moderna com avenidas magníficas, longas e retas. As ruas estreitas e escuras da cidade medieval, com os seus miseráveis padrões de higiene, pareciam algo do passado. Mas a construção do metrô e o trabalho de demolição que isto incluía, ia contra a idéia firmemente defendida de uma Paris que se ergue sob as fundações intocadas da lendária cidade de Lutécia. A fé no progresso misturava-se com uma sensação inquietante de perda: por volta do primeiro terço do século XIX, muitos parisienses tinham já uma visão idealizada da Paris pré-revolucionária, a cidade do Ancien Regime. Na segunda metade do século, esse período tornou-se um tesouro para os artistas, artífices e arquitetos com consciência histórica. Por toda a Europa houve uma série de tentativas para se manter o passado em desaparecimento, registrando o que dele restava em filme. As mudanças repentinas em Berlim, quando a cidade passou a ser a capital do Reich alemão e uma metrópole industrializada, foram documentadas pelos fotógrafos Hermann Rückwardt (1845-1919) e F. Albert Schwartz (1836-1906). O último era membro de uma sociedade dedicada à história de Berlim. Igualmente, foi fundada na capital britância, em 1875, a Society for Photographing Relics of Old London, que contratou os fotógrafos Alfred e John Bool, assim como Henry Dixon (1829-1893), para que registrassem os edifícios históricos cuja demolição já estava marcada.
Contudo, a extensão destas iniciativas não pode ser comparada aos esforços feitos na França, onde havia uma longa tradição de conservar a herança nacional. A Commission Nationale des Monuments Historiques foi fundada em 1837. Os seus membros foram enviados para todos os cantos da França, para fazerem um inventário dos monumentos históricos. Estas primeiras medidas tomadas na década de 1840 foram seguidas, em 1851, por uma campanha fotográfica cujo objetivo era registrar visões arquitetônicas ideais. A comissão pública, conhecida hoje como “Mission héliographique”, foi concedida aos fotógrafos Edouard Baldus (1820-1882), Hippolyte Bayard (1801-1882), Gustave Le Gray (1820-1860), Henri le Secq (1818-1882) e Olivier Mestral. Mas até 1871 era um empreendimento único. Só no início dos anos 80 do século XIX, e após a invenção da técnica da fotometria pelo francês Aimé Laussedat (1819-1907) e pelo alemão Albrecht Meydenbauer (1843-1921), é que a fotografia se tornou numa ferramenta fiável para a preservação e conservação de monumentos históricos.
Paris era um caso particular. Mesmo o instigador da mudança na capital, o Barão Haussann, fundou uma comissão dedicada à história da cidade, o Service de Travaux Historiques, e estava empenhado em registrar as condições antes de começar a reconstrução. Charles Marville (1816-1879) foi nomeado para documentar a transformação da cidade, e o fez durante duas décadas, estando particularmente ativo entre 1865 e 1868. Assim que foi fundada a Commission du Vieux Paris, os seus membros esboçaram listas de centenas de propriedades e estruturas que estavam ameaçadas por demolições, ou estavam, por outro lado, em más condições, e que deveriam ser registradas.
As comissões atribuídas a J. Barry, Paul Emonts, Henri Godefroy, Eugène Gossin, os Berthaut Frères e à Union Photographique de Paris, deixava aos nomeados pouca liberdade criativa, uma vez que vinham com instruções precisas e valorizavam unicamente a imagem fotográfica enquanto fonte de informação. Foram ainda emitidas comissões por outras instituições – bibliotecas e escolas, assim como museus municipais e os especializados em tecnologias e artes aplicadas – que, uma vez mais, especificavam claramente o que era esperado dos fotógrafos profissionais. Mais ainda, os editores especializados na categorização e difusão da pesquisa sobre a história da arte começavam a surgir e, com eles, abriam-se novas áreas da atividade fotográfica nas quais os talentos de Atget se podiam expressar.

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