quinta-feira, 1 de abril de 2010

1. Arquivo do olhar – inventário de objetos . Paris de Eugène Atget

Texto traduzido e compartilhado por André Paiva, cuidadosamente surrupiado do livro Atget’s Paris, de autoria de Andréas Krase, editado por Hans-Christian Adam. Taschen, 2001.

Arquivo do olhar – inventário de objetos . Paris de Eugène Atget



Eugène Atget é o fotógrafo da Paris Antiga. Entre 1897 e 1927 registrou o resultado da história como nenhum outro fotógrafo o conseguiu. Seguir diariamente as mudanças na aparência da cidade não era apenas a sua profissão, mas também a sua vocação. Quando faleceu em 1927, o seu funeral passou praticamente despercebido. Contudo, hoje em dia, Atget é considerado um dos mais importantes fotógrafos de todos os tempos.
Nascido em 1857, filho de um construtor de carruagens de Libourne, viveu mais de três décadas na grande metrópole de Paris, onde explorava constantemente as ruas e praças históricas da cidade, fazia contatos com numerosos potenciais compradores, e fazia palestras noturnas em centros para a educação de adultos.
As fotografias de Atget mostram muitas facetas diferentes de Paris: não apenas as ruas estreitas que atravessam o centro histórico, e cujos edifícios datam de antes da Revolução Francesa, como também as grandiosas praças, as pontes e desembarcadouros do Sena. Fotografou lojas e levou a sua câmera a pátios e escadarias, captando pormenores das fachadas de alguns edifícios e os interiores de outros. Mas, os vendedores de rua, os pequenos comerciantes, os apanhadores de lixo e até as prostitutas nos bairros mais pobres surgem igualmente nas suas fotografias.
A Paris de Atget estendia-se bem para lá dos limites da cidade, abarcando os jardins de Versailles e Saint Cloud, e a transição entre a cidade e o campo. É impressionante a forma como evitava consistentemente as visões clássicas e excluía das suas imagens da capital francesa todos os indícios de modernidade. Atget deve ter passado freqüentemente com seu equipamento de fotografia, por algumas das famosas entradas de metrô de Guimard, mas não se encontra nenhuma na sua obra. Igualmente, o símbolo fundamental da sociedade industrializada – a Torre Eiffel, concluída em 1889 para a exposição mundial – é apenas visível ao fundo de algumas fotografias.
Nas suas fotografias, Atget capturou o “espetáculo de uma cultura” , e o seu estatuto na história da fotografia deve-se às diferentes formas de como continuadas gerações têm reagido à sua obra. Deixou poucos documentos ou registros pessoais, e sabe-se muito pouco acerca da sua vida, apesar do interesse pela sua pessoa ter crescido à medida que sua reputação aumentava. Tornou-se mais tarde objeto de muitas pesquisas, que levaram a uma série de conclusões no que diz respeito à sua obra. No entanto as variadas interpretações, por vezes mesmo “complementares”, nunca chegaram a formar uma imagem uniforme do artista. Hoje em dia, a sua obra é vista como uma ponte entre a fotografia topográfica do séc.XIX e o “documento artístico” fotográfico do séc.XX. Para além dos objetos que focam, as suas fotografias têm sido interpretadas como indícios de uma paixão, uma visão incondicional que levou em pouca conta a perfeição técnica, sendo totalmente dedicada à criação de uma percepção do espaço pictórico. Mas a obra de Atget pode ainda ser vista sob uma perspectiva totalmente diferente. Na sua multiplicidade e diversidade estilística, representa um modernismo que se dedica a uma estética radicalmente funcional no meio técnico da fotografia.
De todas as perspectivas obtidas por esta pesquisa, ninguém pode dizer com qualquer certeza as verdadeiras intenções de Atget. Seria motivado pelo seu desejo de aperfeiçoar a sua visão artística? Ou seria um artista de esquerda, guiado pelo seu interesse sobre a cultura das classes mais baixas? Em retrospectiva, parece que Atget escondeu intencionalmente os seus propósitos, deixando assim às gerações subseqüentes, a quase impossível tarefa de reconstruir as suas idéias.
Quem era o homem idoso que, na primavera de 1927, aceitou o convite da jovem americana Berenice Abbott [1898-1991] e lhe permitiu que fizesse um retrato seu no estúdio dela? A primeira publicação ilustrada do trabalho de Atget, editada por Abbott em 1930, contém um desses três retratos de estúdio. Tirado de perfil, mostra uma figura sentada de aspecto abatido, curvado pela idade e enfiado num casaco escuro. Não há qualquer indicação na imagem de que esse homem fosse , no seu apogeu, um fotógrafo carismático e imensamente produtivo. O homem que imaginamos não podia ser mais díspar deste retrato: na nossa imaginação,vemos uma pessoa fortemente independente, cheia de curisodade visual. A obra da sua vida consistiu em criar um inventário de objetos que, ao longo dos anos, se tornou num arquivo do seu dom de observação. É nesta dualidade que reside o fascínio das sua fotografias. E o seu trabalho foi inspirado não apenas pela familiaridade que tinha com a cidade, mas acima de tudo pela sua profunda devoção interior à Paris histórica.

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